Em 21 de dezembro de 2018, foi publicada a Lei 13.777, que introduziu, permanentemente, a multipropriedade imobiliária ao direito civil brasileiro. Consagrada pela expressão inglesa time-sharing, a multipropriedade imobiliária ganhou forma com o desenvolvimento e a possibilidade de existirem, concomitantemente, diversas co-propriedades que avultam e amplificam a capacidade de uso dos bens imóveis, mormente em áreas de veraneio e propriedades destinadas ao uso em época de férias e recesso.
A Lei recém-promulgada intentou superar o antigo cenário de incertezas e irresoluções que permeava os contratos que dispunham sobre o novel instituto. Apesar de ser uma prática que há tempos era corporificada nos empreendimentos imobiliários, a ausência de Lei regulamentadora criava um cenário de insegurança jurídica acerca das consequências empíricas no negócio formalizado.
Assim, com a aprovação da Lei 13.777/18, houve a alteração da redação dos artigos 1.358 do Código Civil e 176 e 178 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), possibilitando, além da positivação do instituto jurídico, a oportunidade do mercado imobiliário obter fôlego financeiro em razão da contingência para atrair novos investimentos para o setor de hotelaria e imóveis destinados às pequenas frações de tempo de uso.
O instituto da multipropriedade imobiliária fomenta uma espécie de condomínio entre os proprietários, o que nada mais é que o fracionamento no tempo da titularidade dominical do imóvel. O instituto cuidou de regular o imóvel cedido em multipropriedade em unidades: (i) autônomas; (ii) com matrículas próprias; e (iii) com cadastro individual na Prefeitura; sendo elas sempre delimitadas no tempo e no espaço, inseridas em regime de condomínio especial.
Com a divisão do imóvel em temporadas, comumente semanais, vários proprietários utilizam, intercaladamente, cada qual a seu turno, o mesmo local (imóvel). Uma propriedade pode então, a partir deste instituto, ser fragmentada em várias frações temporais autônomas - que são as unidades periódicas -, com tempo mínimo de 7 dias à luz do art. 1.358-E do CC. Isso significa dizer que um imóvel pode ser segmentado em, no máximo, 52 unidades periódicas; ou seja, o mesmo imóvel pode ser de propriedade de 52 pessoas diferentes, tornando o tempo do ócio imobiliário bem reduzido.
Dessa maneira, a positivação do instituto cria um novo direito real, permitindo a cada proprietário uso, gozo, cessão, alienação e oneração da sua unidade periódica, sem a necessidade de anuência ou cientificação dos demais proprietários (art. 1.358-L); da mesma forma, inexiste direito de preferência entre os co-proprietários, salvo previsão expressa no instrumento de instituição ou convenção condominial (art. 1.538-L). Os móveis constantes no imóvel pertencem à multipropriedade e não a cada proprietário de forma individual.
Com a divisão do uso dos imóveis em temporadas, franqueou ao mercado a expectação a novas camadas sociais em adquirir a segunda casa, mormente utilizada em período de férias. Além disso, há a perspectiva de redução de custos, despesas e incômodos com manutenção e segurança do imóvel ante àqueles adquiridos pela forma convencional.
Fora isso, cumpre ressaltar que, ao regulamentar a multipropriedade no final de 2018, verifica-se a preocupação do legislativo em amparar o setor imobiliário, que desde meados de 2012 percorre uma grave crise econômica.
Outrossim, o instituto permite às incorporadoras ampliar o mercado consumidor trazendo para esse imóvel um público que, a princípio, não teria condições econômicas ou interesse na aquisição da propriedade plena e exclusiva. Os preços são regulados e diferenciados conforme a época do ano em que se pretende adquirir a unidade periódica.
Ao lado disso, o investimento por multiproprietários permitiu a captação de recursos para a construção de empreendimentos mistos – hotelaria e multipropriedade -, nos quais apenas parte dos imóveis são postos à venda pelo incorporador, que conserva sob a sua propriedade volume estratégico de unidades destinadas à hotelaria.
Ao editar o texto de Lei, o legislador não visou criar imposição ao tipo de imóvel que será cedido em multipropriedade, bastando apenas a instituição por ato inter vivos ou testamento, com o regular registro e averbação no cartório de imóveis (art. 1.358-F). A Lei apenas prevê que, se a instituição for realizada em condomínio edilício, deve haver previsão no instrumento de instituição ou deliberação da maioria absoluta dos condôminos (artigo 1.358-O).
Outro ponto que merece guarida diz respeito à administração da multipropriedade, que é atribuída pela Lei 13.777 a um administrador, definido no instrumento de instituição do condomínio ou por meio de eleição em assembleia geral. Além das funções e obrigações dispostas no instrumento de instituição, cabe ao administrador: (i) coordenar a utilização do imóvel; (ii) definir, quando existente um sistema de fração temporal variável, o período de uso de cada um dos co-proprietários; (iii) manter e conservar o imóvel; (iv) trocar e substituir equipamentos e mobiliários; (v) elaborar orçamento anual; e (vi) cobrar a quota parte de cada proprietário para pagamento das despesas comuns.
Quando a multipropriedade existir dentro de condomínio edilício, cabe ao próprio condomínio determinar o uso das áreas comuns pelos multiproprietários, bem como os direitos e deveres dos administradores com relação ao acesso ao imóvel, além das regras de convivência entre os ocupantes das unidades periódicas.
Ainda, a novel legislação cuidou de prever as consequências decorrentes do inadimplemento das despesas ordinárias e extraordinárias pelos multiproprietários - entre elas, as taxas condominiais que possuem obrigação propter rem -, no qual caberá a adjudicação ao condomínio edilício da fração temporária correspondente do co-proprietário inadimplente (art. 1.358-S). Já no caso de condomínio em multipropriedade voltado à locação de frações do tempo por seus titulares (pool hoteleiro), o inadimplente poderá ser impedido de utilizar o imóvel até a quitação da dívida (art. 1.358-S, parágrafo único).
Fora isso, como consequência do direito de propriedade sobre a unidade periódica ser direito real sobre coisa própria, autônoma e com matrícula individualizada, encargos como o IPTU serão cobrados de cada co-proprietário, não havendo previsão de responsabilidade solidária ao pagamento de suposta dívida individual (art. 1.358-S).
Há outros pontos da Lei 13.777/18 que mereciam um destaque especial para serem abordados no presente artigo, de modo que, possivelmente, a doutrina e a jurisprudência terão muito trabalho para analisar, interpretar e explorar sobre o tema nos próximos anos, sem nunca deixar de atentar à necessidade de concretização da função social da propriedade e dos demais valores constitucionais existentes.
O que se pode concluir até a data é que a Lei em comento é um marco para o avanço do direito imobiliário brasileiro, superando o vácuo normativo que há anos impedia a exploração da co-propriedade, em especial no campo do lazer e turismo. Além disto, a novel legislação ainda prevê o aquecimento do setor econômico imobiliário, que tem se intensificado nos últimos meses, podendo trazer ao país grande destaque na área do turismo internacional.
Por Mariana Gomes Vidal
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