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Matéria da Folha de São Paulo do dia 02/5/2016

Veto a criança deixa famílias sem opção de aluguel em SP - Folha de São Paulo

Folha de São Paulo traz interessante reportagem sobre as dificuldades de se alugar imóvel na periferia e no centro da Cidade. Na entrevista com o repórter Leandro Machado, o Dr Marcelo Manhães buscou esclarecer, sem tratar do aspecto moral ou ético da questão, o fato de que não há ilegalidade na conduta de um proprietário que estabelece critérios (subjetivos ou objetivos) que deverão ser respeitados para alugar o seu imóvel.

Veto a criança deixa famílias sem opção de aluguel em SP

Marlene Bergamo/Folhapress

Anúncio de aluguel mostra veto a casal com filhos no centro de São Paulo

LEANDRO MACHADO DE SÃO PAULO

01/05/2016 02h00

O assessor contábil Antônio Cardoso, 24, já percorreu o Brás inteiro. Tentou alugar casas, apartamentos de dois quartos. Mas ninguém aceita. Na verdade, ele é aceito, mas seu filho Lohan, 3, não. Não querem o garoto.

Nem ele nem outros. A restrição a crianças tem tornado difícil a vida de muitas famílias da capital e da Grande SP. Alugar casas, apartamentos, quitinetes, ficou complicado para quem tem filho pequeno.

A proibição a crianças ocorre principalmente em pensões e casas menores no centro e na periferia, mas não só. No Brás, Santa Cecília e Bela Vista, região central de SP, plaquinhas indicam: "Vagas para moças e casais sem filhos".

Morador do Brás desde que nasceu, Antônio, nos últimos anos, fez faculdade, melhorou de vida. Nasceu Lohan e ele quis viver em um lugar maior no bairro.

"Meu filho está na creche e não pretendo mudá-lo de lugar. Mas aqui no Brás ninguém está aceitando crianças. Você pode pagar três meses adiantados que eles não aceitam mesmo assim", diz.

Nos extremos, a restrição muitas vezes deixa famílias sem opção. Algumas mudam de bairro, vão para favelas, aderem a movimentos de moradia ou alugam terrenos mais baratos em áreas de risco.

Marlene Bergamo/Folhapress

Antônio Cardoso, que busca casa no Brás, e o filho Lohan

'DESTROEM A CASA'

Em regiões mais nobres da cidade, a proibição é menos explícita. Há uma hipótese que explica isso, segundo imobiliárias ouvidas pela reportagem: a restrição é filtrada por corretores de imóveis.

"Esse tipo de pedido é muito comum. O proprietário tem medo de que as crianças destruam o apartamento, os móveis, o piso", conta Daniele Oliveira, diretora da AG1, imobiliária que negocia imóveis na Vila Madalena e em Pinheiros (zona oeste).

Segundo ela, os corretores escondem os pedidos quando vão conversar com interessados. "A gente não oferece um apartamento para uma família que tem filhos se o proprietário já disse que não quer crianças", explica.

"Não oferecemos para não perder tempo em uma negociação que não vai dar certo", diz Joice Almeida, 39, corretora na AG1 há oito anos. "Há coisas piores. Tem gente que não quer alugar a casa para gays, por exemplo", conta.

Nessa semana, sem se identificar, a reportagem tentou alugar um apartamento em Santa Cecília para uma família com dois filhos. O corretor afirmou que o fato tornava a negociação um pouco mais complicada. "Tem muita gente que não quer criança. Mas vou encontrar um apartamento que não tenha isso", disse.

Segundo Rodrigo Falcão Vaz, diretor da imobiliária Nova São Paulo, que atua na capital e Grande SP, a proibição a crianças ocorre mais em condomínios de casas, principalmente geminadas. "O principal motivo é o barulho, que cria conflitos entre os moradores. O proprietário não quer ser mediador", afirma.

Ele diz que seus corretores são orientados a não aceitar esse tipo de restrição de donos de imóveis. "Consideramos essa discriminação ilegal."

Ilegal não é, segundo Marcelo Manhães, presidente da comissão de direito urbanístico da OAB-SP. "Locação de imóvel faz parte do direito privado. Posso escolher quem entra na minha propriedade, mesmo que essa análise seja subjetiva", diz. "No direito privado, o que não é proibido é permitido. Se é justo ou não, é outra questão."

"A lei do inquilinato não diz nada sobre essas proibições. Se houver discriminação, a pessoa que se sentir ofendida pode procurar a lei que trata do tema", diz Alberto Ajzental, professor da Fundação Getulio Vargas e especialista em mercado imobiliário.

Marlene Bergamo/Folhapress

Jennifer Stefane da Silva, mãe de 3 filhos; sem conseguir alugar, mudou-se para barraco

RECUSADA

Quando teve o terceiro filho, a operadora de telemarketing Jennifer Stefane Silva, 21, resolveu sair de casa. As brigas com a avó estavam insuportáveis. Foi procurar um lugar para morar em São Mateus, extremo da zona leste de São Paulo. Encontrou várias opções, mas ninguém queria seus três filhos.

Jennifer tem meninos de 4, 3 e 1 ano de idade. A busca por casa prosseguiu em bairros mais próximos do centro, como Mooca e Brás. "O aluguel foi ficando mais caro. Tentei em vários lugares, pensões, quitinetes, nada. Ninguém aceita criança pequena", conta.

A jovem e os filhos então foram parar em um barraco de pouco mais de três metros em uma favela debaixo de um viaduto na Radial Leste, região central.

"Falam tudo e não te aceitam. Criança faz barulho, criança destrói a casa, pode cair na escada", diz. "Até emprego é difícil de conseguir. Quando descobrem que seus filhos são pequenos, já desistem de você. Dizem que eles podem ficar doentes e atrapalhar o trabalho", diz ela, que está desempregada.

A manicure Aparecida Ribeiro da Silva, 38, passou por situação parecida no ano passado. Tentou por mais de um mês alugar uma casa na zona norte da cidade. Ela tem três filhos, de 18, 16 e 13 anos.

"Algumas [casas] já têm placa avisando que não aceitam crianças. Em outras você chega a conversar, mas desistem. Uma vez, em um sobrado, disseram que meus filhos podiam se machucar na fiação da casa, mesmo eles já sendo adolescentes", conta.

A solução foi alugar uma casa em um bairro que não estava nos planos da família. "É uma besteira, todo mundo tem filho. Você faz o quê? Aluga e deixa seus filhos em outro lugar?", reclama.

SEM ALTERNATIVA

A avaliação de especialistas em habitação social e movimentos sociais é a de que a restrição a crianças tem ajudado a levar famílias para ocupações, favelas e áreas de risco na Grande São Paulo.

"Quanto maior a vulnerabilidade [econômica], menor a condição de negociar com donos de imóveis", diz Juliana Avanci, advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que dá auxílio jurídico a moradores de rua e movimentos de moradia.

"Converso muito com pessoas que são despejadas, tentam alugar outra casa, mas não conseguem porque as crianças são rejeitadas. Elas acabam indo para as ocupações", afirma.

Para Bruno Miragaia, defensor público que atua na área, quando o poder público transfere a política habitacional para a iniciativa privada, os mais pobres sofrem com as restrições do mercado.

"O Estado não tem prédios públicos [suficientes] para moradia social. Então ele paga uma bolsa-aluguel e transfere a responsabilidade de mediação para o mercado. Essas restrições acabam empurrando as pessoas para regiões vulneráveis, mais baratas e que aceitam tudo, como favelas e áreas de risco", diz.


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